Joan Brossa: pequeno panorama sobre sua vida e obra


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Como citar:
TERÇA-NADA!, Marcelo. Joan Brossa: pequeno panorama sobre sua vida e obra. Etcetera: revista eletrônica de arte e cultura, São Paulo, n. 13, jul/ago. 2003. Bimestral. Disponível em:  https://marcelonada.redezero.org/joan-brossa-pequeno-panorama-sobre-sua-vida-e-obra/. Acesso em: 13 jan. 2022.


Joan Brossa: pequeno panorama sobre sua vida e obra

“Há anos a obra de João Brossa cruza, sem passaporte, a fronteira entre as modalidades artísticas”
João Bandeira

Joan Brossa em seu ateliê em Barcelona
Joan Brossa em seu ateliê na Espanha

Joan Brossa nasceu em 1919 em Barcelona, Espanha. Figura cercada de histórias curiosas – talvez devido a grande aproximação entre sua vida e obra -, Brossa esteve em permanente movimento. Toda sua vida pode ser vista como um processo de experimentação constante que resultou numa impressionante obra plástica e poética: numerosos trabalhos de poesia em verso, poesia visual, poesia objeto, instalações, poemas transitáveis (esculturas-poema em locais públicos), poemas cênicos (textos para teatro) e roteiros cinematográficos.

Sua obra é tão engajada quanto cheia de humor. Tão irônica quanto lírica. Tão ligada ao cotidiano e as suas raízes catalãs quanto inovadora e subversiva. Tão diversificada quanto rica.

Vim a conhecer a obra de Joan Brossa durante uma palestra realizada pelo professor Marcelo Drummond no NECI – Núcleo de Estudos da Cultura do Impresso, da Escola de Belas Artes da UFMG no princípio de 2003. Foi ele também quem me trouxe o depoimento de que Brossa fazia truques de mágica e ilusionismo em pleno metrô de Barcelona (o que fazia também nas ruas da cidade e nos saraus que promovia). “A gente estava andando de metrô e de repente via o Brossa cuspindo bolas de borracha, ou fazendo malabarismo com cartolas e chapéus…”.

Waly Salomão conta, em um depoimento publicado na Revista Cult, que Brossa era um poeta que “andava a pé pela cidade de lado a lado, percorrendo distâncias inacreditáveis, sem um níquel no bolso, um sujeito sem dinheiro, que comia pouco, um pedaço de pão recheado apenas com tomate ou cebola, e de vez em quando uma sopa que algum amigo lhe pagava”.

Poema visual, Joan BrossaPoema Visual, Juan BrossaPoema visual tipográfico, Joan Brossa
Poemas visuais, 1970, 1978 e 1982

Sabe-se que Brossa integrou o movimento de resistência à ditadura e a censura de Franco, na Espanha, chegando até a participar do Exército Popular da Catalunia e que teve grande influência das ideias anarquistas e socialistas do período da República Catalã (que antecedeu o franquismo). Exemplos desse espírito de resistência é o fato de que sempre escreveu em Catalão – língua que chegou a ser proibida durante a ditadura – vários de seus trabalhos da “linha mais política”.

Essa mistura de mágico, com performer, poeta, ativista, artista gráfico e artista plástico é, no mínimo, muito instigante.

Poema Visual - Editorial, 1971 - Joan Brossa
Editorial, 1971.

De uma rica imaginação plástica, Brossa começou a produzir na década de 40 e continuou sem parar até seu falecimento em 1998, na véspera de seus 80 anos de idade. Mesmo com a crescente produção de poemas visuais e poemas objeto, que muitas vezes só foram realizados anos depois de concebidos, Brossa nunca abandonou o texto literário ou qualquer outra linguagem a qual se dedicou, continuou a escrever poemas em verso e textos em prosa durante toda sua vida. Durante sua trajetória foi diversificando cada vez mais sua obra: escrevia livros, fazia instalações, poemas objeto, escrevia texto para teatro e concebia roteiros para filmes de curta-metragem. Chegou a projetar um poema visual para ser pintado sobre um trem-bala.Na década de 40, de quando datam os primeiros escritos de Brossa, seus poemas foram marcados pela prática de um peculiar neo-surrealismo, assim como a pintura de seus grandes amigos e parceiros Antoni Tápies e Joan Ponç. Nessa mesma década começou a fazer poemas com elementos visuais e alguns caligramas. Esse primeiro grupo de trabalhos verbo-visuais foi batizado pelo poeta como “poemas experimentais”, pois o termo “poesia visual” ainda nem existia. Nessa época iniciou também a produção dos poemas cênicos – textos para teatro que englobam pequenas cenas, ações musicais e performances.

Poesia visual, 1988 - Joan Brossa
Poema visual, 1988

Ao conhecer e passar a conviver com o poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto que tinha ido trabalhar em Barcelona como Cônsul do Brasil em 1947, Joan Brossa passa a ter contato com as ideias marxistas. Vários artistas e poetas de Barcelona frequentavam a casa de João Cabral, que tornou-se um local de confluência de pessoas e ideias, um “território” protegido da repressão e censura da ditadura franquista.João Cabral mantinha em sua casa uma pequena prensa manual Minerva onde imprimia, em tipografia, livros seus e de amigos. Fazia pequenas tiragens dos livros, mas, como nos conta o próprio Brossa, “não para vendê-los e sim para presenteá-los”. Os dois primeiros livros de Brossa foram feitos naquela prensa por Cabral: o Sonets de caruixa (1950) e En va fer Joan Brossa (1951) com tiragem de 70 exemplares cada.O contato com Cabral foi iluminador. As novas ideias que trouxe somadas ao contato com as ideias do progressismo catalão deram uma nova direção para a obra de Brossa a partir de 1950. Com o livro En va fer, Brossa iniciava um segundo nascimento, no qual superava a retórica formalista para reencontrar a realidade e a vida cotidiana, através de um realismo crítico (GUERRERO, 2001).


Fé eclesiástica, 1994

Em 1948, Brossa funda juntamente com Joan Ponç, Antoni Tápies, e outros a revista Dau a Set. Em 1951, faz seu primeiro poema com o uso de objetos.Sobre o processo de passagem da poesia visual até o poema objeto, o próprio Brossa é quem conta: “Foi todo um processo. Eu comecei fazendo literatura com peruca, depois me concentrei na linguagem coloquial e depois passei ao objeto. Para mim a escrita e o trabalho com os objetos são ferramentas que me permitem colher a poesia, que como a eletricidade está em todas as partes, tem é que colhê-la. O poeta constrói pequenos veículos para transmitir a poesia. Duchamp encontrava uma coisa e a deixava assim. Eu gosto de alterar os objetos e fazer metáforas. Eu colho um fragmento da realidade mais comum, uma propaganda de um periódico, por exemplo, e gosto de tocá-lo um pouco, intervindo minimamente. Os objetos têm um sentido, eu o pego do cotidiano e lhe dou outro sentido, tratando de resgatá-lo dessa dependência funcional”. Somente a partir da publicação do livro Poesia Rasa em 1970 é que a obra de Brossa começa a ganhar um maior reconhecimento. É a partir daí que seus livros passam a ser publicados regularmente, alternando livros novos e antigos (inéditos) que tinham sido escritos durante a ditadura de Franco. A exposição Joan Brossa ou As palavras são as coisas (Fundação Joan Miró, 1986) agrupou, pela primeira vez, um número considerável de poemas visuais, objetos e cartazes e marcou o início do reconhecimento internacional da obra plástica de Brossa que foi firmado de vez com a exposição antológica que realizou no Centro de Arte Rainha Sofia, em 1991 em Madrid.

Intermédio, Joan Brossa
Intermédio, 1991

O reconhecimento na Espanha, e no mundo, lhe permitiu a realização de uma série de projetos mais complexos que culminaram na realização das instalações e dos poemas transitáveis (esculturas-intervenções em espaços públicos). A opção de Joan Brossa pela linguagem coloquial em seus versos desde o livro Em va fer, a realização de suas ações/apresentações nas ruas e metrôs, vários de seus trabalhos plásticos (principalmente os poemas objeto) e diversas de suas declarações mostram um artista inteiramente conectado com o cotidiano.É do cotidiano que Brossa retira sua matéria-prima. E o espaço cotidiano é um dos espaços onde atua e intervém, como se ali fosse seu palco ou sua folha de papel imaginária onde inscreveu enormes poemas transitáveis. A própria paixão pelo ilusionismo e pelos truques de mágica e a vontade de estar mantendo ações/apresentações nas ruas, o humor e caráter lúdico de vários de seus trabalhos nos mostram que Brossa foi uma figura engajada na tarefa de fazer o cotidiano ser mais poético. Ou melhor, na tarefa de fazer a poesia estar presente no dia-a-dia das ruas. Se considerarmos o ritmo de vida de um grande centro urbano, como Barcelona, é possível afirmar que todo esse trabalho aliando arte e vida no cotidiano mais simples é uma de suas grandes obras subversivas. Como uma batalha pela sobrevida da poesia frente a correria da metrópole. Como se Brossa fosse um guerrilheiro defendendo a sensibilidade de cada um de nós, lutando para “salvar a individualidade frente a tanta propaganda estúpida que leva à massificação em uma sociedade que transformou a técnica em um instrumento de domínio” – em palavras suas. A relação entre Brossa e o cotidiano é coroada com a realização dos poemas transitáveis, pois, com essas enormes esculturas com letras e símbolos lingüísticos, o espaço público é ocupado definitivamente por sua poesia.

Poema objeto, Joan BrossaPaleta poética, Joan BrossaSenhor, Joan Brossa
Poema objeto, 1969; Paleta poética, 1989; e Senhor, 1975

Após 1991, Brossa é convidado a fazer e participar de numerosas exposições, entre elas: a Bienal Internacional de São Paulo de 1994 e a Bienal de Veneza de 1997 e exposições em Londres, Marselha, Valência e Kassel.

Poema visual - Museu, 1996 - Joan Brossa
Museu, 1996

Após seu falecimento em 1998 é preparada uma grande retrospectiva de sua obra, a exposição Joan Brossa ou a revolução poética, que aconteceu em 2001, em Barcelona, novamente na Fundação Joan Miró, e abrangeu toda a sua produção, incluindo projetos, livros, poemas visuais e objetos, instalações, os poemas transitáveis, as suítes de poesia visual, cartazes, filmes, roteiros cinematográficos e encenações de seus poemas cênicos.

*Texto publicado originalmente na Revista Etcetera #13 – Artes Visuais


Referências comentadas

Impressos

Joan Brossa ou a revolta poética

Catálogo da exposição retrospectiva de toda a obra de Brossa. Bastante completo e ilustrado, abrange todos os aspectos da múltipla obra do poeta: os poemas experimentais, os visuais, os poemas-objeto, os cartazes, os poemas transitáveis, os poemas cênicos, as suítes de poesia visual, a produção cinematográfica e vários artigos sobre aspectos da atuação e obra de Brossa, como os jogos de mãos e o ilusionismo, as referências da cultura popular catalã, o caráter antiautoritário, anticlerical e antimilitar de sua obra etc. (em espanhol, catalão ou inglês)- GUERRERO, Manuel (curador). Joan Brossa o la revuelta poética. Barcelona: Fundación Joan Miro e KRTU, 2001. 540 págs.

Dossiê Joan Brossa – Revista Cult

Publicado em fevereiro de 1999 (em comemoração aos 80 anos de nascimento de Brossa) e organizado por João Bandeira é muito bom e diversificado: traz dois artigos sobre a obra de Brossa, duas entrevistas com o poeta, quatro textos em sua homenagem (escritos por João Bandeira, Wally Salomão, Haroldo de Campos e João Cabral de Melo Neto), uma pequena bibliografia selecionada, o poema “Fábula de Joan Brossa ” de João Cabral, um texto de Brossa sobre Joan Miró e diversos poemas em verso, poemas visuais e poemas objeto. (em português)- BANDEIRA, João (org.). Dossiê Joan Brossa. Revista Cult nº19 Fevereiro de 1999. São Paulo: Lemos, 1999. Páginas 37-55.

Na Internet – uma entrevista e um artigo

As cinco patas do gato

Entrevista com Joan Brossa realizada por Slavko Zupcic e Luis Enrique Belmonte. Onde Brossa fala sobre a Censura da ditadura de Franco, sobre João Cabral de Melo Neto, sobre a arte como transformação, a poética da imagem, jogos e magia, Frégoli e muito mais…. (em espanhol)- Lateral Revista de Cultura, Espanha. http://www.lateral-ed.es/revista/articulos/77lascinco.html [site offline]

Poesia e subversão na obra de Joan Brossa

Escrito pelo poeta Clemente Padín, este artigo aborda aspectos do processo de criação e da linguagem de Brossa. No artigo é abordado tanto os poemas em verso de Brossa (“Ponte” e “Mesa”) quanto os poemas visuais (como o “Elegia al Che Guevara”) e poemas objeto. (em espanhol)- Agulha – revista de cultura # 24 – Fortaleza/ São Paulo – maio de 2002
http://www.revista.agulha.nom.br/ag24brossa.htm

Na Internet – sites

Entra-i-suit– Joan Brossa

Site mais completo sobre a obra de Brossa. Produzido pelo portal de literatura catalã LLETRA, abrange bem a multiplicidade de Brossa: prosa, poemas, poemas visuais, poemas objeto, instalações, poemas em ação (curtas-metragens) e os poemas transitáveis (obras em locais públicos). No site, as obras foram agrupadas sob os temas: “Poesia e linguagem”,   “Jogos, magia e humor”, “Compromisso social”, “Amor”, “Cinema e arte”, “Alfabeto” e “Reflexão Vital” e em cada seção-tema há textos, imagens e vídeos diferentes. Também há entrevistas onde se pode ver e ouvir o próprio Brossa falando e uma extensa coleção de referências bibliográficas e links para outros sites dedicados a sua obra. (em catalão)
http://www.uoc.edu/lletra/especial/brossa

Simpósio “Joan Brossa ou a revolta poética”

Realizado na época da exposição “Joan Brossa ou a revolta poética”, traz diversos artigos sobre a obra de Brossa. (em catalão)
www.uoc.edu/jocs/brossa

Joanbrossa.org

Organizado por Abraham Clotet em homenagem a Brossa. Traz vários textos sobre sua trajetória de vida e cada uma de suas diversas linhas de atuação: Apresentação, Biografia (as origens, a juventude, o descobrimento, a maturidade, o reconhecimento), Obra (poesia, poesia visual, poesia objeto, poesia urbana, poesia cênica, ações musicais e cinema) e Bibliografia (obras editadas, obras de referência e links interessantes). (em catalão)
http://www.joanbrossa.org/

Fundação Joan Brossa

É dividido nas seções: a Fundação, Bibliografia (publicações, traduções e obras inéditas), Exposições, Outros (Bibliografia sobre Brossa, Brossa na Escola – projetos didáticos com sua obra e escolas parceiras da Fundação -, Links e Pedidos de compras de livros e gravuras). É o site mais simples de todos os citados aqui, mas é o único que traz opções de idiomas: inglês, espanhol e catalão.
http://www.fundaciojoanbrossa.cat/