Relações entre imagem e escrita nas artes


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Como citar:
TERÇA-NADA!, Marcelo. Relações entre imagem e escrita nas artes. Etcetera: revista eletrônica de arte e cultura, São Paulo, v. 8, mar/jun. 2002. Bimestral. Disponível em: https://marcelonada.redezero.org/relacoes-entre-imagem-e-escrita-nas-artes/. Acesso em: 13 jan. 2022.


Relações entre imagem e escrita nas artes


Caligrama. Apollinaire, 1913 – 1916

Durante o século XX pode-se perceber que houve grande diálogo entre as artes visuais e a literatura, acompanhando a diluição de limites rígidos entre as diferentes linguagens e consequente aproximação entre as artes, principalmente a quebra de fronteiras entre o texto e a imagem. Poetas se conscientizaram da visualidade da escrita e da página, além de incorporar elementos gráficos e imagens aos seus trabalhos. Artistas visuais retomaram a origem visual da escrita, utilizando elementos textuais em suas obras: grafismos, letras de diversos alfabetos, colagem de fragmentos de textos impressos etc., utilizando a escrita como elemento gráfico e/ou conceitual.

Esse processo de aproximação e diálogo entre a literatura e as artes visuais aconteceu de maneira recorrente e não linear durante todo o século, sendo verificada em diversas ramificações que realizaram e realizam várias conexões entre si, sem obedecerem a nenhuma hierarquia ou ordem.


Rio: o ir. Arnaldo Antunes, 1997

A reaproximação entre imagem e escrita se deu a partir do final do século XIX e início do século XX. Nesse processo de resgate de vínculos entre a palavra e a imagem, tiveram grande importância experiências como as do poeta francês Mallarmé, que passa a considerar a visualidade da letra e do branco do papel como elemento de seus poemas, e o trabalho pioneiro de Picasso e Braque, com os papiers collés que inauguram uma forte tendência da arte contemporânea, incorporando na obra artística materiais não artísticos, letras, fragmentos retirados de jornais, partituras musicais, papéis de parede etc., que foram utilizados em suas obras de modo que as partes se ajustassem ao todo, tal como um quebra cabeça.

Modos de hierarquia entre as linguagens como, por exemplo, se explicitar uma imagem através de uma legenda ou título, ilustrar um texto ou, ainda, estabelecer um discurso a partir de uma obra visual, como uma pintura, por exemplo, sofreram uma quebra nessas experiências que negavam qualquer subordinação entre imagem e texto.


Coraçãocabeça de Augusto de Campos, 1980

Ao mesmo tempo em que esse processo ia se manifestando e ocorrendo, houve o surgimento e o desenvolvimento de diversas tecnologias e mídias desembocando na era eletrônica que vivemos hoje. Principalmente a partir dos anos sessenta, os meios de comunicação aumentaram sua penetração e difusão, passando a intervir em todas as instâncias da vida cotidiana, fazendo com que o convívio com imagens caminhasse rumo à saturação. Com isso houve uma crescente banalização da imagem e do texto. O mesmo acontece com as relações entre indivíduos e objetos, devido à cultura do consumo. Então, artistas e poetas passaram a buscar maneiras novas de se relacionar com a arte e a escrita em experiências onde os materiais e suportes tradicionais em arte foram sendo sucessivamente questionados ou naquelas onde houve apropriação dos novos meios e tecnologias como suporte e material para a arte.

A partir da aproximação entre literatura e artes plásticas, junto às realizações do modernismo e neovanguardas, houve um amolecimento das fronteiras entre as categorias tradicionais de arte: pintura, escultura, fotografia, literatura, objeto, desenho, colagem etc. passam a ter um diálogo cada vez maior e a se fundir, abrindo espaço para experimentação. Tornam-se possíveis obras que podem ser identificadas tanto como poema visual (uma categoria da literatura), como pop arte (uma categoria das artes plásticas), sem nenhuma incoerência. Como é o caso do Exemplo, de Philadelpho Menezes, mostrado na figura abaixo:

O fazer que cruza os campos da imagem e da escrita cruza também vários modos de fazer, e se apropria de suportes não convencionais. No século XX, o branco da página entra como elemento da poesia, do mesmo modo que o desenho e signos da escrita entram como elemento da pintura, e é natural que, a partir de um certo momento, as experimentações também incorporem o ambiente, ganhem o espaço, incorporem significados, formas e temporalidades de suportes tridimensionais, ou quadridimensionais, sejam eles um sapato, um liquidificador, uma sala, uma gaveta, uma calçada ou um painel luminoso. É o caminho que vai da poesia visual à poesia objeto. É o caminho que chega ao livro-objeto, às instalações e às intervenções.


Verbetes

Poesia Visual

Pode ser definida por: produto literário que se utiliza de recursos (tipo)gráficos e/ou puramente visuais, de tendência caligramática, ideogramática, geométrica ou abstrata, cujo centramento gráfico-visual não exclui outras possibilidades literárias (verbais, sonoras etc.). (Álvaro de Sá. 1978 p.49)

Poesia Objeto

Além dos elementos da poesia visual, na poesia objeto o suporte deixa de ser somente a página bidimensional; incorpora o objeto, junto com suas propriedades e significações; esse, pode variar de uma caixa de fósforos a um automóvel, passando por uma dobradura de papel. Como o poema passa a poder acontecer em diversos planos/ faces/ camadas e a poder contar com o manuseio como elemento de leitura, as possibilidades são ampliadas ainda mais.

Livro-Objeto

Vários artistas e poetas se debruçaram sobre o livro o recriando enquanto objeto. Fazendo diversas experimentações com sua forma, funcionalidade e materialidade, casando em inúmeras possibilidades imagem, escrita e meio. Dessas variadas experiências é que surgiram os livros-objeto, que extrapolam o conceito livro rompendo as fronteiras comumente atribuídas aos livros de leitura para se assumirem como objetos de arte. Normalmente, são obras feitas em tiragem reduzida, muitas vezes únicas. No livro-objeto, a narrativa literária é substituída por uma narrativa plástica.


Referências Bibliográficas

Livros
DOLABELA, Marcelo. Poesia: A Experiência Visual. Temporada de poesia. Fascículo 6. Belo Horizonte, 1994.

ANTUNES, Arnaldo. Dois ou mais corpos no mesmo espaço. São Paulo: Perspectiva, 1997.

CAMPOS, Augusto de. Despoesia. São Paulo: Perspectiva, 1994

AGUIAR, Fernando e SILVA, Gabriel (org.). Concreta. Experimental. Visual: Poesia portuguesa 1959 – 1989. Lisboa: Icalp, 1990.

MENEZES, Philadelpho. Poética e Visualidade: Uma trajetória da poesia brasileira contemporânea. Campinas: Unicamp, 1991.

GÓES, Fred e MARINS, Álvaro (sel.). Paulo Leminski – Melhores poemas. São Paulo. Global, 1996.

RIBEIRO, Marília Andrés e PEDRO, Fernando (org.). Um século de história das artes plásticas em Belo Horizonte. Belo Horizonte: C/Arte e Fundação João Pinheiro, 1997.

Periódico
SÁ, Álvaro de, CIRNE, Moacy. Do modernismo ao poema/processo e ao poema experimental: teoria e prática. Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, – v.72, n.1, jan. fev 1978, p.49.

Inéditos
Veneroso, Maria do Carmo de Freitas. Caligrafias e Escrituras: Diálogo e intertexto no processo escritural nas artes do século XX. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2000. Tese de Doutorado em Literatura Comparada.

Documentos eletrônicos
Instituto Cultural Itaú. Banco de Dados. URL: http://www.itaucultural.org.br/bd/biografia/biografia.htm [10 dez.2000]

UBU. UBU Visual, Concrete + Sound Poetry in Historical. URL: https://www.ubu.com/historical/index.html [10 dez.2000]

Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri da PUC-SP. Acervo de Poesia Experimental. URL: http://www.pucsp.br/~cos-puc/epe/ape/ [10 dez. 2000]

Menezes, Philadelpho (Org.). Poesia Intersignos – Do Impresso ao Sonoro e ao Digital. URL: http://www.pucsp.br/~cos-puc/epe/mostra/ [10 dez.2000]


Notas:

1) Este texto foi originalmente escrito como parte da monografia “Livro-Objeto/Poesia Objeto” de Marcelo Terça-Nada!, apresentada no ano de 2000 na Escola de Belas Artes da UFMG dentro do PAD Artes Plásticas e foi publicado na Revista Etcetera#8 em 2002.

2) Veneroso, Maria do Carmo de Freitas. Caligrafias e Escrituras: Diálogo e intertexto no processo escritural nas artes do século XX. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2000. Tese de Doutorado em Literatura Comparada.

3) Pode-se constatar grande aproximação entre imagem e escrita em outras passagens da história, como nas iluminuras medievais ou xilogravuras chinesas.

4) Mallarmé inaugurou a semântica do espaço em branco, com a explosão gráfico-espacial de seu poema Coup de Dês, no final do século passado.

5) Veneroso, Maria do Carmo de Freitas. (op.cit, p. 427).

6) Veneroso, Maria do Carmo de Freitas. (op.cit, p. 426).

7) Referência ao trabalho Truisms, de Jenny Holzer, realizado em 1982 no Times Square, Nova York.