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Como citar:
TERÇA-NADA!, Marcelo. Grupo Poro: anotações diversas ou Intervenções por uma cidade sensível. Etcetera: revista eletrônica de arte e cultura, São Paulo, n. 18, mai/jun. 2005. Bimestral. Disponível em: https://marcelonada.redezero.org/poro-anotacoes-diversas-ou-intervencoes-por-uma-cidade-sensivel/. Acesso em: 13 jan. 2022.
Poro – anotações diversas ou Intervenções por uma cidade sensível
Desde de 2002 o Poro vem realizando suas intervenções urbanas, fazendo trabalhos que buscam levantar questões sobre os problemas das cidades e que buscam uma ocupação poética dos espaços. Afinal, acreditamos que a cidade deve ser cada vez mais reivindicada como espaço para a arte. Através de nossas ações, tentamos problematizar a relação das pessoas com a arte, a relação das pessoas com a cidade e a relação da arte com a vida.
Vários aspectos de se fazer trabalhos nas ruas nos interessam. O fato de que as pessoas podem se relacionar diretamente com o trabalho sem que nenhum aparato esteja o definindo como arte é um deles. Outro, seria o de que o trabalho, ao estar na rua, ganha autonomia e passa a estar sujeito a interferências e apropriações dos passantes. Um terceiro fator é que podemos fazer os trabalhos de forma autogestionada, sem depender do aval de nenhuma instituição que nos conceda espaço para a veiculação dos trabalhos – nos basta definir a proposta, nos organizarmos, dividir os custos e… fazê-lo. É claro que esse último fator não impede que possamos realizar parcerias com projetos, instituições, ou espaços “formais” para a realização de projetos específicos.
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Ocupações momentâneas
Em 2003 realizamos o trabalho “Rua Imagem Espaço” – uma projeção de slides em muro da cidade. O local escolhido para fazer esse trabalho foi um bar em um bairro fora do centro de Belo Horizonte. Escolhemos uma mesa na calçada e começamos as projeções no outro lado da rua: uma seleção de imagens da história da arte que fazem referência à comida, bar, festa e afins.
Por ser uma rua movimentada, os carros, ônibus e pessoas que passavam por ali, cruzavam ritmicamente a projeção de slides, fazendo com que as imagens fossem deslocadas e ficassem projetadas em diferentes planos. Ficamos lá a noite toda.
Uma menina chamou seus amigos para assistir. Foi como se os moradores da vizinhança tivessem uma sessão especial de “cinema”. As imagens que projetamos, que normalmente ficam guardadas em museus, habitaram aquele espaço por uma noite.
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Uma intervenção pode ser extremamente sutil
Em 2002, algumas folhas secas foram pintadas de dourado e recolocadas nas árvores em frente a Escola de Belas Artes da UFMG, numa vontade de fazer o tempo voltar. Essa era a imagem: folhas de ouro meio à copa verde de uma árvore, como se tivessem brotado ali.
Certo dia uma professora da EBA nos trouxe o depoimento: “Ganhei meu dia. Chegando hoje de manhã na Escola, vi uma coisa reluzente caindo vagarosamente de uma das árvores lá na entrada, quando me aproximei pra olhar o que era, vi que era uma folha dourada”. Era o Projeto “Folhas de Ouro”. Para nós essa fala foi um presente: o acaso tinha criado uma nova situação para o trabalho…
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Utilizando os meios como espaço de atuação
Há uma vontade e uma atitude no Poro que tem a ver com o primeiro momento da história da Xilogravura. Uma vontade de disseminar os trabalhos, de fazer as idéias circularem, de pensar os meios como forma de expressão. Para isso utilizamos meios de comunicação de baixo custo, como: carimbo, adesivo, lambe-lambe, camisetas e panfletos tipo milheiro.
Fazer trabalhos críticos utilizando esses meios é uma forma de re-significá-los. Além de permitir que os trabalhos possam ser distribuídos/inseridos em diversos ambientes, indo desde instituições culturais até muros da cidade, desde a casa de um amigo até um telefone público ou ainda um quadro de aviso de padaria. Por se tratarem de múltiplos[1] os trabalhos podem ser compartilhados, de modo que outras pessoas também os utilizem ou possam difundi-los. A possibilidade de que o trabalho possa ser multiplicado a partir de sua matriz[2] permite que trabalhos simples do ponto de vista material, como um panfletinho, consiga um grande alcance, chegando até muitas pessoas em diferentes pontos do país.
Isso aconteceu com o trabalho “Propaganda política dá lucro!!!”, por exemplo. Um santinho tipográfico que ironiza diversos “artifícios” do marketing político e, de quebra, a promessa de emprego fácil através de cursos charlatões. No período de propaganda eleitoral de 2002 e 2004, o panfleto circulou de diversas formas. Foi amplamente distribuído em locais públicos de grande circulação de pessoas, em situações como palestras, filas, pontos de ônibus. Foi afixado em quadros de aviso de escolas, paredes de botecos, bancas de jornal, galerias de arte e outros locais de circulação de informação. Foi deixado aos montinhos em centros culturais, mercearias, cinemas e outros lugares onde ficam folders/panfletos/flyers para que as pessoas peguem. Foram preparados envelopes com vários panfletos juntamente com uma carta-proposição[3]; estes envelopes foram enviados pelo correio para uma rede de amigos de diversas cidades brasileiras. Uma versão em PDF do panfleto foi colocada na Internet na revista Etcetera[4] para que as pessoas pudessem baixar o panfleto, imprimir, xerocar e distribuir. Houve também uma versão somente em texto que foi enviada num e-mail intitulado “Curso grátis”. O texto do e-mail começava com o dizer “gentileza divulgar” e havia link para a página da Etcetera, para quem quisesse ver mais sobre o “propaganda política dá lucro!!!”. A mensagem do email terminava com: “não responda este e-mail: passe-o para frente”. A partir do momento em que o panfleto foi colocado na Internet, perdeu-se o controle de onde ele foi parar.
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Inserções em circuitos ideológicos: revisitando Cildo Meireles
Na década de 70 o artista plástico Cildo Meireles identificou a existência de “circuitos ideológicos” e realizou duas propostas de “Inserções”, o “Projeto Coca-cola” e o “Projeto Cédula” – dois clássicos da arte brasileira[5]. Retomando a idéia de Cildo de carimbar notas de dinheiro e retorná-las à circulação, realizamos desde 2002 o trabalho “FMI – Fome e Miséria Internacional”. Por ser portátil, em diversos momentos carregamos o carimbo com a gente. Nas mais variadas situações e lugares fizemos seções de carimbagem. E era só perguntar: “Você tem uma nota para carimbar?”. Após carimbar a primeira nota, vinha outra pessoa querendo também. E de repente uma mesa de bar, ou uma roda de amigos na universidade virava uma grande euforia de pessoas querendo carimbar suas notas.
O grupo argentino Pobres Diablos fez em 2005 uma versão em espanhol do carimbo FMI e notas já estão sendo carimbadas no país deles. A partir de iniciativa do Pobres Diablos, novos grupos de outros países latino americanos vão começar a fazer também esse trabalho em suas regiões. Afinal, muitos países têm sofrido as conseqüências das políticas impostas pelo FMI…
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Uma cidade diversa
No trabalho “Por uma cidade sustentável”, fizemos uma série de cartazes lambe-lambe com cinco definições de cidade sustentável. Espalhamos esses lambe-lambes por cima de cartazes publicitários que estavam colados nos muros do centro de Belo Horizonte. Enquanto colávamos, várias pessoas pararam para discutir, perguntar e opinar sobre o que seria uma cidade sustentável ou quais seriam as soluções para a sustentabilidade de uma cidade. Já nesse primeiro momento, o trabalho começava a provocar seus efeitos…
Uma cidade sustentável é uma cidade diversa.
Onde o âmbito público encoraje a comunidade à participação, e onde a informação circule de modo democratizado, sendo produzida e veiculada por múltiplas vozes e respeitando a diversidade.
Esse é um dos conceitos impressos nos lambe-lambes do trabalho “Por uma cidade sustentável”.
Os outros foram: cidade ecológica, cidade criativa, cidade justa e cidade policêntrica.
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Muito nos incomoda o fato de que tudo hoje em dia vira “mídia” para a publicidade – há propaganda num número cada vez maior de lugares: nos postes de iluminação, dentro dos ônibus, na mesa do bar, no guardanapo de papel. Tem um caso de mídia que merece atenção especial: as propagandas que as pessoas carregam em si, nas roupas, mochilas, sapatos e bolsas. Cada uma com sua grife. Esse caso é o pior pois as pessoas pagam para fazer propaganda para as grifes.
Você já tentou comprar uma roupa sem nenhuma marca estampada? É super difícil. Agora veja o absurdo: uma costureira conhecida nossa fazia vestidos para a grife Vide-bula. A grife comprava cada vestido por R$7, colocava sua etiqueta e vendia nas suas lojas por R$100. Qual a diferença entre o vestido que a costureira fez, e o da loja? A etiqueta.
Pensando nessas coisas todas, fizemos o adesivo “Arranque a etiqueta da sua roupa” – propondo um caminho contrário: tornar uma roupa de etiqueta, numa sem. Distribuímos e colamos esse adesivo pra todo lado, mas a melhor maneira que apareceu para instalá-lo foi colocar uma tesoura dependurada ao lado de onde o adesivo estivesse colado, para que as pessoas pudessem arrancar a etiqueta ali mesmo. Essa maneira de veicular esse trabalho funcionou muito bem na Casa da Fonte[6] onde houve uma festa com samba-de-roda e tanta gente que a casa quase caiu. No dia seguinte, vimos que o chão da Casa estava coberto de etiquetas…
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A pouca discussão que há sobre os transgênicos normalmente acontece numa abordagem científica. Muito nos preocupa que os aspectos sociais e de concentração de renda envolvidos quase nunca sejam levados em questão. Com o trabalho “Imagine” buscamos uma abordagem poética de um dos problemas trazidos pelos transgênicos: no primeiro momento[7] da gula pelo monopólio das sementes no mundo, a mega multinacional Monsanto[8] criou um tipo de semente que só nascia uma vez. Se o agricultor plantasse uma semente de soja, por exemplo, quando fizesse sua colheita, teria em mãos sementes estéreis, que se plantadas não brotariam. Com isso a multinacional forçaria os agricultores a comprar sementes a cada safra e acabaria com a relação poética que temos com os frutos, de podermos chupar uma manga, plantar seu caroço no quintal e termos em alguns anos um pé de manga na nossa casa.
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Condensando tudo isso num epicentro
Estabelecemos nosso site como repositório dos nossos trabalhos e questões. De modo a concentrar e disponibilizar em um veículo não só nossas propostas, mas também textos de referência e links sobre arte e ativismo. Pois compartilhar é a melhor maneira de produzir conhecimento. A ideia é que o site se estabeleça como propulsor de novas ações, grupos de artistas e iniciativas. E que essas novas ações, grupos e iniciativas também sejam estimuladores, num efeito multiplicador, de cascata. Esse é o nosso epicentro de disseminação: www.poro.redezero.org
*Este texto foi originalmente publicado na Revista Etcetera#18
Notas:
[1] Múltiplo são aquelas obras de arte que existem em vários exemplares. O exemplo mais comum é a gravura que a partir de uma matriz se faz uma tiragem com determinado número de cópias. O múltiplo se opõe ao conceito de objeto único, muito comum nas artes plásticas.
[2] Matriz é um conceito utilizado na gravura. É onde a imagem fica gravada de modo que a partir dela pode-se imprimir várias cópias de uma mesma imagem. Ampliamos o conceito de matriz para o de matriz-digital: os arquivos de onde se pode confeccionar novas matrizes. Por exemplo, no site do Poro, há o arquivo com a imagem do carimbo FMI, quem quiser, pode baixar a imagem, levar numa loja de fazer carimbos e sair carimbando. Na seção “Downloads” há também outros arquivos-matrizes de nossos trabalhos. O endereço é: www.poro.redezero.org/downloads
[3] A carta-proposição convidava as pessoas a distribuírem o panfleto e a afixá-los por aí estimulava que o panfleto fosse xerocado e que fosse repassado para outras pessoas para que essas também o distribuíssem.
[4] O panfleto de 2002 foi publicado na 9ª edição da Revista Etcetera [como o site não está mais no ar, esse é o link acessível via archive.org]. Outras edições foram disponibilizadas no site do Poro: www.poro.redezero.org/downloads
[5] Desse trabalho, Cildo Meireles produziu o texto “Inserções em circuitos ideológicos” – muito importante para a arte. Você pode conferir esse texto e imagens do trabalho a partir deste link
[6] Centro Cultural independente mantido pelo GIA – Grupo de Interferência Ambiental, em Salvador, Bahia.
[7] De acordo com nossas fontes, o projeto da semente morta foi modificado e agora as sementes poderão ser plantadas por oito vezes, germinando por oito gerações. O absurdo de se limitar a vida da semente, se mantém. Procure saber mais sobre os transgênicos no site: www.greenpeace.com.br
[8] No começo de 2005 a Monsanto já dominava 70% do mercado de sementes no mundo. Essa empresa é detentora das patentes das sementes transgênicas. Por isso, além de pagar pelas sementes, o agricultor também deve pagar uma quantia à Monsanto para cada grão transgênico colhido, são os chamados royalties.
Links:
» Poro – intervenções urbanas e ações efêmeras: www.poro.redezero.org
Imagens e textos sobre os trabalhos do grupo. Arquivos dos adesivos, carimbo e panfletos para Download. Textos e links sobre arte e ativismo.
» Texto “Poro: Três trabalhos e um projeto”
Sobre os trabalhos: “Jardim”, “Enxurrada de letras” e “Espaços virtuais”
https://www.ufrgs.br/escultura/fsm2005/textos/poro.htm
» Arte.coletivos – Espaços independentes, grupos de artistas e iniciativas de arte: http://arte.coletivos.zip.net/
» Formas de Pensar a Escultura/Perdidos no Espaço
https://www.ufrgs.br/escultura/
» Efeitos de borda. Subjetividades e espaço público
https://www.ufrgs.br/escultura/fsm2005/
» Coletivos em rede e ocupações
www.corocoletivo.org/
» Inserções em Circuitos Ideológicos
Projeto Coca-cola e Depoimento – Cildo Meireles
» Mais sobre o Grupo Poro:
Coletânea de refêrencias sobre o Poro e seus trabalhos
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